sábado, 4 de setembro de 2010

AUSÊNCIA

Eu deixarei que morra em mim o desejo


de amar os teus olhos que são doces


Porque nada te poderei dar senão a mágoa


de me veres eternamente exausto


No entanto a tua presença é qualquer coisa


como a luz e a vida






E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto


e em minha voz a tua voz


Não te quero ter porque


em meu ser está tudo terminado.


Quero só que surjas em mim


como a fé nos desesperados






Para que eu possa levar uma gota de orvalho


nesta terra amaldiçoada


Que ficou sobre a minha carne


como uma nódoa do passado.


Eu deixarei ... tu irás e encostarás


a tua face em outra face






Teus dedos enlaçarão outros dedos


e tu desabrocharás para a madrugada


Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,


porque eu fui o grande íntimo da noite


Porque eu encostei a minha face


na face da noite e ouvi a tua fala amorosa






Porque meus dedos enlaçaram os dedos


da névoa suspensos no espaço


E eu trouxe até mim a misteriosa essência


do teu abandono desordenado.


Eu ficarei só


como os veleiros nos portos silenciosos






Mas eu te possuirei mais que ninguém


porque poderei partir


E todas as lamentações do mar,


do vento, do céu, das aves, das estrelas


Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,


a tua voz serenizada.










   (Vinicius de Moraes)



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