sexta-feira, 24 de setembro de 2010

SE SE MORRER DE AMOR

Se se morre de amor! – Não, não se morre,


Quando é fascinação que nos surpreende


De ruidoso sarau entre os festejos;


Quando luzes, calor, orquestra e flores


Assomos de prazer nos raiam n’alma,


Que embelezada e solta em tal ambiente


No que ouve e no que vê prazer alcança!






Simpáticas feições, cintura breve,


Graciosa postura, porte airoso,


Uma fita, uma flor entre os cabelos,


Um quê mal definido, acaso podem


Num engano d’amor arrebentar-nos.


Mas isso amor não é; isso é delírio


Devaneio, ilusão, que se esvaece


Ao som final da orquestra, ao derradeiro






Clarão, que as luzes ao morrer despedem:


Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,


D’amor igual ninguém sucumbe à perda.


Amor é vida; é ter constantemente


Alma, sentidos, coração – abertos


Ao grande, ao belo, é ser capaz d’extremos,


D’altas virtudes, té capaz de crimes!






Compreender o infinito, a imensidade


E a natureza e Deus; gostar dos campos,


D’aves, flores,murmúrios solitários;


Buscar tristeza, a soledade, o ermo,


E ter o coração em riso e festa;


E à branda festa, ao riso da nossa alma


fontes de pranto intercalar sem custo;


Conhecer o prazer e a desventura


No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto


O ditoso, o misérrimo dos entes;


Isso é amor, e desse amor se morre!






Amar, é não saber, não ter coragem


Pra dizer que o amor que em nós sentimos;


Temer qu’olhos profanos nos devassem


O templo onde a melhor porção da vida


Se concentra; onde avaros recatamos


Essa fonte de amor, esses tesouros


Inesgotáveis d’lusões floridas;


Sentir, sem que se veja, a quem se adora,


Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,


Segui-la, sem poder fitar seus olhos,


Amá-la, sem ousar dizer que amamos,


E, temendo roçar os seus vestidos,


Arder por afogá-la em mil abraços:


Isso é amor, e desse amor se morre!




         (Gonçalves Dias)



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