terça-feira, 15 de março de 2011

GOSTO QUANTO TE CALAS - POEMA DE PABLO NERUDA

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Pablo Neruda





















O Poço



Cais, às vezes, afundas

em teu fosso de silêncio,

em teu abismo de orgulhosa cólera,

e mal consegues

voltar, trazendo restos

do que achaste

pelas profunduras da tua existência.



Meu amor, o que encontras

em teu poço fechado?

Algas, pântanos, rochas?

O que vês, de olhos cegos,

rancorosa e ferida?



Não acharás, amor,

no poço em que cais

o que na altura guardo para ti:

um ramo de jasmins todo orvalhado,

um beijo mais profundo que esse abismo.



Não me temas, não caias

de novo em teu rancor.

Sacode a minha palavra que te veio ferir

e deixa que ela voe pela janela aberta.

Ela voltará a ferir-me

sem que tu a dirijas,

porque foi carregada com um instante duro

e esse instante será desarmado em meu peito.



Radiosa me sorri

se minha boca fere.

Não sou um pastor doce

como em contos de fadas,

mas um lenhador que comparte contigo

terras, vento e espinhos das montanhas.



Dá-me amor, me sorri

e me ajuda a ser bom.

Não te firas em mim, seria inútil,

não me firas a mim porque te feres.



Pablo Neruda







O teu riso



Tira-me o pão, se quiseres,

tira-me o ar, mas não

me tires o teu riso.



Não me tires a rosa,

a lança que desfolhas,

a água que de súbito

brota da tua alegria,

a repentina onda

de prata que em ti nasce.



A minha luta é dura e regresso

com os olhos cansados

às vezes por ver

que a terra não muda,

mas ao entrar teu riso

sobe ao céu a procurar-me

e abre-me todas

as portas da vida.



Meu amor, nos momentos

mais escuros solta

o teu riso e se de súbito

vires que o meu sangue mancha

as pedras da rua,

ri, porque o teu riso

será para as minhas mãos

como uma espada fresca.



À beira do mar, no outono,

teu riso deve erguer

sua cascata de espuma,

e na primavera, amor,

quero teu riso como

a flor que esperava,

a flor azul, a rosa

da minha pátria sonora.



Ri-te da noite,

do dia, da lua,

ri-te das ruas

tortas da ilha,

ri-te deste grosseiro

rapaz que te ama,

mas quando abro

os olhos e os fecho,

quando meus passos vão,

quando voltam meus passos,

nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas nunca o teu riso,

porque então morreria.



Pablo Neruda











Tuas mãos



Quando tuas mãos saem,

amada, para as minhas,

o que me trazem voando?

Por que se detiveram

em minha boca, súbitas,

e por que as reconheço

como se outrora então

as tivesse tocado,

como se antes de ser

houvessem percorrido

minha fronte e a cintura?



Sua maciez chegava

voando por sobre o tempo,

sobre o mar, sobre o fumo,

e sobre a primavera,

e quando colocaste

tuas mãos em meu peito,

reconheci essas asas

de paloma dourada,

reconheci essa argila

e a cor suave do trigo.



A minha vida toda

eu andei procurando-as.

Subi muitas escadas,

cruzei os recifes,

os trens me transportaram,

as águas me trouxeram,

e na pele das uvas

achei que te tocava.

De repente a madeira

me trouxe o teu contacto,

a amêndoa me anunciava

suavidades secretas,

até que as tuas mãos

envolveram meu peito

e ali como duas asas

repousaram da viagem.



Pablo Neruda







Se cada dia cai



Se cada dia cai, dentro de cada noite,

há um poço

onde a claridade está presa.



há que sentar-se na beira

do poço da sombra

e pescar luz caída

com paciência.



Pablo Neruda (Últimos Poemas)







Esperemos



Há outros dias que não têm chegado ainda,

que estão fazendo-se

como o pão ou as cadeiras ou o produto

das farmácias ou das oficinas

- há fábricas de dias que virão -

existem artesãos da alma

que levantam e pesam e preparam

certos dias amargos ou preciosos

que de repente chegam à porta

para premiar-nos

com uma laranja

ou assassinar-nos de imediato.



Pablo Neruda (Últimos Poemas)







Acontece



Bateram à minha porta em 6 de agosto,

aí não havia ninguém

e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira

e transcorreu comigo, ninguém.



Nunca me esquecerei daquela ausência

que entrava como Pedro por sua causa

e me satisfazia com o não ser,

com um vazio aberto a tudo.



Ninguém me interrogou sem dizer nada

e contestei sem ver e sem falar.



Que entrevista espaçosa e especial!



Pablo Neruda (Últimos Poemas)







Quero saber



Quero saber se você vem comigo

a não andar e não falar,

quero saber se ao fim alcançaremos

a incomunicação; por fim

ir com alguém a ver o ar puro,

a luz listrada do mar de cada dia

ou um objeto terrestre

e não ter nada que trocar

por fim, não introduzir mercadorias

como o faziam os colonizadores

trocando baralhinhos por silêncio.

Pago eu aqui por teu silêncio.

De acordo, eu te dou o meu

com u te dou o meu

com uma condição: não nos compreender



Pablo Neruda (Últimos Poemas)







Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,

que solidão errante até tua companhia!

Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.

Em taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,

juntos desde a roupa às raízes,

juntos de outono, de água, de quadris,

até ser só tu, só eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,

a desembocadura da água de Boroa,

pensar que separados por trens e nações

tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos

com todos confundidos, com homens e mulheres,

com a terra que implanta e educa cravos.



Pablo Neruda







A Noite na Ilha



Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.

Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,

entre o fogo e a água.

Talvez bem tarde nossos

sonos se uniram na altura e no fundo,

em cima como ramos que um mesmo vento move,

embaixo como raízes vermelhas que se tocam.

Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro

me procurava como antes, quando nem existias,

quando sem te enxergar naveguei a teu lado

e teus olhos buscavam o que agora - pão,

vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,

porque tu és a taça que só esperava

os dons da minha vida.

Dormi junto contigo a noite inteira,

enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,

de repente desperto e no meio da sombra meu braço

rodeava tua cintura.

Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.

Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca

saída de teu sono me deu o sabor da terra,

de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,

e recebi teu beijo molhado pela aurora

como se me chegasse do mar que nos rodeia.



Pablo Neruda







Antes de amar-te, amor, nada era meu

Vacilei pelas ruas e as coisas:

Nada contava nem tinha nome:

O mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,

Túneis habitados pela lua,

Hangares cruéis que se despediam,

Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,

Caído, abandonado e decaído,

Tudo era inalienavelmente alheio,

Tudo era dos outros e de ninguém,

Até que tua beleza e tua pobreza

De dádivas encheram o outono.



Pablo Neruda







Aqui eu te amo.

Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento.

Fosforece a lua sobre as águas errantes.

Andam dias iguais a perseguir-se.



Descinge-se a névoa em dançantes figuras.

Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.

As vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.



Ou a cruz negra de um barco.

Só.

As vezes amanheço, e minha alma está úmida.

Soa, ressoa o mar distante.

Isto é um porto.

Aqui eu te amo.



Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.

Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.

As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,

que correm pelo mar rumo a onde não chegam.



Já me creio esquecido como estas velha âncoras.

São mais tristes os portos ao atracar da tarde.

Cansa-se minha vida inutilmente faminta..

Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.



Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.

Mas a noite enche e começa a cantar-me.

A lua faz girar sua arruela de sonho.



Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.

E como eu te amo, os pinheiros no vento,

querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.



Pablo Neruda







Áspero amor, violeta coroada de espinhos,

cipoal entre tantas paixões eriçado, lanãa das dores,

corola da colera, por que caminhos

e como te dirigiste a minha alma?

Por que precipitaste teu fogo doloroso, de repente,

entre as folhas frias do meu caminho?

Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?

que flor, que pedra, que fumaãa

mostraram minha morada?

O certo é que tremeu noite pavorosa,

a aurora encheu todas as taãas com teu vinho

e o sol estabeleceu sua presenãa celeste,

enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,

até que lacerando-me com espadas

e espinhos abriu no coração um caminho queimante.



Pablo Neruda







De noite, amada, amarra teu coração ao meu

e que eles no sonho derrotem

as trevas como um duplo tambor

combatendo no bosque

contra o espesso muro das folhas molhadas.

Noturna travessia, brasa negra do sonho.

Interceptando o fio das uvas terrestres

com pontualidade de um trem descabelado

que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.

Por isso, amor, amarra-me ao movimento puro,

à tenacidade que em teu peito bate.





Com as asas de um cisne submergido,

para que as perguntas estreladas do céu

responda nosso sonho com uma só chave,

com uma só porta fechada pela sombra.



Pablo Neruda







O Vento na Ilha





O vento é um cavalo

Ouça como ele corre

Pelo mar, pelo céu.

Quer me levar: escuta

como recorre ao mundo

para me levar para longe.



Me esconde em teus braços

por somente esta noite,

enquanto a chuva rompe

contra o mar e a terra

sua boca inumerável.



Escuta como o vento

me chama calopando

para me levar para longe.



Com tua frente a minha frente,

com tua boca em minha boca,

atados nossos corpos

ao amor que nos queima,

deixa que o vento passe

sem que possa me levar.



Deixa que o vento corra

coroado de espuma,

que me chame e me busque

galopandanto eu, emergido

debaixo teus grandes olhos,

por somente esta noite



descansarei, amor meu.



Pablo Neruda











Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.

Amor, dor, trabalho, devem dormir agora.

Gira a noite sobre suas invisíveis rodas

e junto a mim és pura como âmbar dormido...

Nenhuma mais, amor, dormira com meus sonhos...

Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.

Nenhuma viajará pela sombra comigo, só tu.

sempre viva. sempre sol... sempre lua...

Já tuas mãos abriram os punhos delicados

e deixaram cair suaves sinais sem rumo...

teus olhos se fecharam como



duas asas cinzas, enquanto eu sigo a água

que levas e me leva.

A noite... o mundo... o vento enovelam seu destino,

e já não sou sem ti senão apenas teu sonho...



Pablo Neruda







Gosto quando te calas




Gosto quando te calas porque estás como ausente,


e me ouves de longe, minha voz não te toca.


Parece que os olhos tivessem de ti voado


e parece que um beijo te fechara a boca.






Como todas as coisas estão cheias da minha alma


emerge das coisas, cheia da minha alma.


Borboleta de sonho, pareces com minha alma,


e te pareces com a palavra melancolia.






Gosto de ti quando calas e estás como distante.


E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.


E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:


Deixa-me que me cale com o silêncio teu.






Deixa-me que te fale também com o teu silêncio


claro como uma lâmpada, simples como um anel.


És como a noite, calada e constelada.


Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.






Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.


Distante e dolorosa como se tivesses morrido.


Uma palavra então, um sorriso bastam.


E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.






Pablo Neruda





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