quarta-feira, 12 de maio de 2010

VOCÊ DECIDE

            Permita-me dizer-lhe, Você decide. Você decide em que versão acreditar. Note bem: ninguém jamais entrou na floresta escura. Tudo o que há são fantasias de homens:   fantasias de homens cruéis e vingativos e fantasias de homens movidos pelo amor.

             Se você se decidir a acreditar que o velinho tem uma câmara de torturas que lhe dá prazer, então você tem de acreditar também que ele é um monstro igual aos torturadores que brincam com as crianças durante o dia e torturam pessoas indefesas durante a noite. Sua bondade diurna não passa de uma farsa. Eu não poderia amar um velhinho assim, Você poderia?  Diante de um velhino assim a gente sente é horror, jamais amor. Quem acredita que Deus tem uma câmara de torturas eterna não pode amá-lo.   Só pode temê-lo. Mas como Deus é amor, aquilo que é temido não pode ser Deus. Só pode ser o Diabo.

             Mas se você acreditar que a tal câmara de torturas não passa de uma invenção do coração malvado dos homens, então você amará o velhinho cada vez mais.

              Você entendeu: essa estória é uma parábola sobre Deus. Quem acredita no inferno está, na realidade, acreditando em coisas horrendas sobre Deus.  A questão crucial, portanto, nessa pergunta sobre a existência do inferno, é:  o que é que você pensa de Deus?  Imagino que o velinho deve ter chorado amargamente quando ficou sabendo dos boatos que os homens estavam espalhando sobre ele. Acho que deus chora também quando os religiosos, que se dizem a seu serviço, espalham esses boatos de que ele se diverte com o sofrimento dos presos na sua câmara de torturas. Foi santo Tomás que disse que Deus e os salvos, nos céus, contemplam o sofrimento dos condenados no inferno para que a sua alegria seja completa... Não posso amar esse Deus. Na verdade eu lhe daria o nome de Demônio.

              Se o velhinho não fosse tão bom, acho que seria esses que ele enviaria para uma temporada de curta duração no inferno, se ele existisse...


                                         Rubem Alves, escritor, pedagogo, teólogo e psicanalista.

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